Elogios
indiscretos, histórias e confidências íntimas, toques constrangedores.
Apesar do silêncio das vítimas, esse tipo de perseguição no ambiente de
trabalho, que pode ser caracterizado como assédio sexual, é uma situação
mais comum do que se imagina.
De
acordo com uma pesquisa da Organização Internacional do Trabalho, 52%
das mulheres economicamente ativas já sofreram esse tipo de abuso,
psicológico ou físico, no ambiente profissional.
“É
um crime em que o autor precisa ter uma qualidade especial, ser
superior hierárquico ou ter uma ascendência em relação à vítima. Também
deve existir o constrangimento com uma finalidade específica, de obter
vantagem ou favorecimento sexual. A simples paquera não configura um
crime”, explica Rogério Cury, advogado especialista em direito penal.
Embora
os números sejam alarmantes, a legislação brasileira ainda tem
dificuldades para combater esse tipo de crime e poucos casos são
julgados no país, também por conta do machismo, uma questão cultural.
“Infelizmente,
se você analisar, é a infração de menor potencial ofensivo, com uma das
menores penas do Brasil. A detenção por assédio sexual é de um a dois
anos, caso o crime seja comprovado”, afirma Rogério Cury.
Já
em situações em que o chefe elogia sua funcionária, passa cantadas e
outros tipos de brincadeiras, que muitas vezes soam constrangedoras, não
existe o ato criminoso.
“Alguns
juízes até compreendem que esse tipo de assédio é um crime, sim, mas
são a minoria”, pondera a advogada Adriana Calvo, especialista em
direito trabalhista.
“Tive medo do que diriam sobre mim”
Beatriz*,
28, de Poços de Caldas, conseguiu o primeiro emprego aos 16 anos, em
uma loja de produtos de informática. Foi nessa primeira experiência
profissional que a então menina foi assediada pelo chefe e proprietário
da empresa, pai de uma amiga que a havia indicado para a vaga de
secretária.
A
jornalista se lembra de que tudo começou com os comentários que ele
fazia sobre as clientes que saíam da loja aos demais funcionários, que
deixavam todos sempre muito constrangidos. O clima ficava ainda mais
tenso quando o chefe revelava detalhes sobre a intimidade com a mulher.
“Eu era obrigada a dar risadinhas amarelas, disfarçar, porque era um emprego do qual eu não podia abrir mão”, lembra Beatriz.
A situação chegou ao limite em um sábado, quando Beatriz precisou ficar sozinha no escritório, na companhia do chefe.
“Eu
estava sentada no balcão, quando ele veio ao meu lado para contar que
tinha ido com uma amante para um clube de campo aqui da cidade,
revelando detalhes do que eles faziam lá, além de contar sobre outras
meninas da minha idade com quem ele tinha saído. Foi quando eu percebi
que ele estava com a mão na minha perna, subindo cada vez mais”, conta a
jornalista.
Em
estado de choque, ela conseguiu se livrar do contato com o chefe, que
percebeu seu súbito mal-estar e foi embora da loja, sem dizer uma
palavra. Beatriz chegou a ligar para outro funcionário e explicar o que
tinha acontecido, além de contar a história do assédio para uma tia.
“Ela ficou com pena de mim, mas disse que no trabalho, às vezes, precisamos engolir certas coisas”, conta.
Depois
do assédio, os comentários obscenos do chefe continuaram e o
constrangimento de Beatriz só aumentou, até que ela resolveu forçar a
própria demissão, para evitar comentários na cidade. Ela só foi falar
sobre o ocorrido com mãe e irmã muitos anos depois, e acabou descobrindo
que o chefe já tinha assediado outras meninas.
“Me
arrependi de nunca ter feito uma denúncia, porque penso que poderia ter
protegido outras meninas que passaram pelo mesmo que eu. Mas eu era
muito nova na época e sentia medo e vergonha do que as pessoas iriam
pensar, se iriam me culpar ou dizer que eu tinha provocado tudo aquilo”,
confessa Beatriz.
Essa
experiência não foi isolada. Alguns anos depois, aos 22, Beatriz
precisou lidar com outro caso de assédio sexual: um funcionário mais
velho chegou a sugerir que ela fizesse sexo oral nele, quando ela era
assistente administrativa de uma empresa que beneficiava café. O choque
dessa vez foi ainda maior, e a empresa considerou entrar com um processo
para exonerar o funcionário em questão, mas Beatriz não foi em frente
com a denúncia.
“Eu
tive medo que ele me seguisse, já que eu morava em uma cidade pequena, e
meus superiores disseram que não poderiam me ajudar com nenhuma
proteção. Mais uma vez me calei”, lamenta ela.
“Não quis fazer escândalo”
Também
era o primeiro emprego de Fernanda*, de Santo André, hoje com 21 anos.
Há cinco, ela estava na festa de fim de ano da empresa em que trabalhava
como recepcionista, com mais um grupo de amigas. Fernanda e as meninas
conversavam sobre o fato de o proprietário e chefe da empresa ter o
hábito de se aproximar demais das funcionárias, tirá-las para dançar e
se aproveitar do estado de embriaguez de algumas.
“Tinha
reparado que ele já estava bem bêbado e tentando se aproximar de mim.
Quando fiquei sozinha, ele já estava ao meu lado, com o braço ao redor
da minha cintura. Tentei me afastar, mas ele não deixou. Começou a
dançar comigo e subiu o braço que estava na minha cintura até o meu
pescoço. Me afastei novamente e ele voltou a mão para a minha cintura.
Quando me desvencilhei de vez, ele desceu a mão e alisou minha bunda”,
conta Fernanda.
A
estudante não teve nenhuma reação, por conta do choque de ter sido
assediada em plena festa de fim de ano da empresa. A esposa do chefe e
os filhos também estavam lá, por isso ela evitou qualquer cena que
resultasse em um escândalo, por medo que eles a julgassem como a “vilã”
da situação.
Uma
semana depois do ocorrido, Fernanda voltou ao trabalho e reencontrou
seu chefe, apesar de tentar evitar qualquer tipo de contato ou troca de
olhares.
“Ele
passou atrás da minha cadeira, arrumou meu cabelo, me falou bom dia e
saiu para sua sala. Depois disso, ele sempre passava por lá mexendo
comigo, para chamar minha atenção. Foi quando decidi começar a faltar,
para que me demitissem”, lembra ela.
Fernanda
sentiu vergonha e achou melhor os pais não ficarem sabendo de nada, já
que eles conheciam o chefe. Hoje, ela se arrepende de não ter feito
nenhuma denúncia, principalmente depois de ter descoberto que aquele
comportamento era recorrente com outras funcionárias da empresa.
“Acho
que o que me faltava era informação, hoje sei que isso é muito mais
frequente do que a gente imagina. Não sei se foi pelo que aconteceu, mas
agora vejo tudo com outros olhos e não sentiria medo de denunciar”,
acredita ela.
Alternativas
As
situações vividas por Beatriz e Fernanda, por si só, não se enquadram
no crime de assédio sexual, de acordo com a legislação brasileira, o que
acaba fortalecendo e perpetuando a cultura de assédio no meio
profissional. Pela dificuldade em reunir provas e levar adiante o
processo, muitas vítimas acabam desistindo de entrar na Justiça.
“A
vítima fica coibida de tomar alguma providência, porque sabe que nada
de grave acontecerá com o culpado. O processo também é outro problema,
porque a mulher precisa revivera história, a exposição e humilhação
pelas quais passou, para tudo terminar com uma pena de multa”, ressalta
Rogério Cury.
Mesmo
assim, é importante que as mulheres e vítimas se posicionem contra esse
tipo de abuso e busquem uma maneira de denunciar o agressor, seja por
meio de uma ouvidoria na própria empresa ou na Delegacia da Mulher, que
está mais familiarizada com casos de assédio sexual. Vale lembrar que é
fundamental levar e-mails, telefonemas e mensagens como provas do
constrangimento.
“O
assédio sexual é que ele é praticado de forma íntima, por isso é mais
difícil recolher provas. Nós recomendamos que elas gravem conversas,
filmem, não excluam e-mails e mensagens com teor sexual e por aí vai. A
Justiça do Trabalho valoriza muito o depoimento da vítima, porque se
entende que é a única prova que ela tem. Se o chefe ou superior já tem
outras denúncias de assédio sexual, a denúncia ganha mais força”,
explica Adriana Calvo.
Segundo a especialista, ainda é possível entrar no site do Ministério do Trabalho e fazer uma denúncia anônima.
“Quando
mais de um caso for denunciado, eles abrem um inquérito e podem entrar
com uma ação pública contra a empresa”, detalha ela.
Se
o assédio não se configurar como crime, uma saída é tentar denunciar o
agressor por injúria e difamação, já que a honra da vítima é atingida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário